PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES.
Amanheceu. Como todos os dias, como todos os cidadãos do mundo contemporâneo, como todos os homens e mulheres, nos levantamos e nos damos ao luxo de buscar as novas notícias sobre nós mesmos, nossos familiares, nossos amigos, nossa cidade, nosso Estado, nosso País e nosso Mundo.
São temas que agradam a cada um, a partir daquilo que melhor impactua no seu humor, nas suas expectativas, nas suas ansiedades, nas suas frustações e sobretudo na sua educação.
Educação um tema tão grandioso e ao mesmo tempo tão desprezado, sinto saudades das terras de além-mar, onde as primeiras palavras eram:
- “Olá, bom-dia! E então?”
- “Com licença, bom-dia! Por favor....”
- “Obrigado, com licença, continuação.”
- “Cumprimentos, com licença.”
Ao abrir os aplicativos sociais do meu smartphone, veem-me uma enxurrada de mensagens. Muitas reencaminhadas, mas que desejam um bom-dia e eu, educadamente, respondo-as com as mesmas imagens ou palavras, ou seja, a quem me enviou imagens, respondo com imagens, a quem me enviou textos, respondo com palavras, a quem me manifestou fé, respondo com fé.
Há também aquelas mensagens enviadas, que se revestem de política, de futebol e de problemas da sociedade, para os mais próximos, desejo um bom-dia, para os outros, sou indiferente, creio que estava ativado o modo “robot” e provavelmente ele nem sabe que a mensagem foi enviada.
Mas o que fazer? São estas as manifestações da atual sociedade, dessa sociedade contemporânea, que em determinado momento foi rotulada de sociedade da informação e que nada mais é do que a sociedade que replica as informações de interesse do “estabelecimento”, dos algoritmos que tudo fazem para manter as pessoas exatamente no mundo em que elas querem viver.
Se o meu mundo é da política contestatória ao governo estabelecido, receberei inúmeras mensagens, já previamente construídas e na quase totalidade não revestida das verdades, para que eu possa me iludir e pensar que o meu modo “robot” de mim mesmo está fazendo a coisa acertada e sigo feliz, escutando o canto dos cisnes. Não sei por que, mas me lembrei da obra A Revolução dos Bichos, de George Orwell.
Se o meu mundo é do entretenimento, esse é o mais fácil de todos, doutrinação e relativização a todo-vapor. Doutrinação e relativização de quem? Para doutrinar e relativizar é necessário que o sujeito conheça o outro lado da moeda, se não o conhece, vem outra obra, O Mito da Caverna, de Platão.
Se o meu mundo é o mundo dos esportes, genial, o novo circo, agora com a atualização da tecnologia para retornar aos aspectos invisíveis aos olhos humanos e retornar ao passado, não para corrigir, mas para garantir que os incautos permaneçam ligados ao “estabelecimento”, demonstrem a sua alegria, prendam-se aos conceitos e se mostrem prontos a adquirir produtos, serviços e prazeres inimagináveis. Mais uma obra maravilhosa me veio à mente, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.
Se o meu mundo é a sociedade, a sua falta de educação, a sua demanda por conhecimento, não há com que me ocupar, os aplicativos fornecem uma imensidade de textos preparados especialmente para você, sobre o assunto que você quiser, você não precisará saber ler, não precisa entender o significado das palavras, as imagens e os sons te encantarão.
Não é necessário nada físico, não é necessário um dicionário, você é dono do seu conhecimento e enquanto você trabalha poderá ouvir o seu tema preferido, sentir o conhecimento fluir através de ondas. Não há necessidade de uma biblioteca, um museu, ou mesmo um arquivo físico, digite a primeira palavra e tudo acontecerá, isso o prometo, assim se manifesta o Algoritmo, a fase mais recente do “estabelecimento”. Me cheira a queimado, com certeza é Farenheit 451, de Ray Bradbury.
Até aqui, parece-nos, tanto a mim quanto a você, meu leitor ou minha leitora, que só manifestei distopias, que a minha vida é muito presa ao Conhecimento, sim grafado com letra maiúscula, como na língua germânica, para expressar os substantivos, que eu deveria ser mais flexível e não sofrer tanto, afinal estou me valendo dos mesmos aplicativos que os demais se valem.
Aí meu caro e minha cara leitora, se manifesta o título do artigo “Para não dizer que não falei das flores”, falarei das flores, sou católico praticante, recebi todos os sacramentos de iniciação, serviço e cura, sim os de cura também, sempre que me vejo numa situação de vulnerabilidade física ou espiritual, não contemplada pela confissão, me valho do sacramento da cura. Realmente a fé é algo que não se discute, vive-se.
Não discutir, viver e, assim vivo. O sacramento do batismo me tornou sacerdote, profeta e rei. Justamente por me tornar um profeta, me obrigo a manifestar aquilo que não se encontra estruturado dentro das verdades necessárias, aquelas verdades que existem desde o sempre e fazem fluir o bem, a vida e o amor. São elas que nos elevam da barbárie ao progresso.
Para manifestar a preocupação e agir como um profeta, me valho das mesmas ferramentas do mal, mas na estratégia do bem. Aquilo que já está estabelecido não será modificado pela vontade de um, mas pela ação de muitos e não será divulgando mensagens construídas pelo próprio “estabelecimento” que se modificará o todo. As mensagens devem ser construídas com as ferramentas do Conhecimento e não com as ferramentas da mentira.
No entanto, querer que pessoas desprovidas de educação encontrem as ferramentas do Conhecimento, é o mesmo que descrever as cores da parede para um cego, não tem significado algum, os demais sentidos que ele utiliza sentem o perfume da rosa, mas não percebem a sua cor; sentem o sabor da maça, mas não percebem a sua tonalidade; sentem o calor do fogo, mas não percebem o brasil, a transformação da madeira em brasas, a cor do cerne do pau-brasil e que deu origem ao nome do nosso País; ouvem o som emitido pelo pavão, mas não veem a beleza da sua plumagem.
É óbvio que vivemos um mundo melhor, é óbvio que ocorreram avanços, é óbvio que há mais pessoas felizes no mundo, é óbvio que nos alimentamos melhor, é óbvio que a hierarquia das necessidades de Abraham Maslow nos mostra mais completos, no entanto, quase tudo é parte do “estabelecimento” da engenharia social e das mídias que nos conduzem ao Admirável Mundo Novo.
Contudo, como em qualquer época da humanidade, há o recurso, o retorno à barbárie, há aquilo que Giambattista Vico se encarregou de explicitar. Com um nome que nos lembra um profético, ele nos faz questionar o presente e nos lembra que a humanidade atinge níveis intangíveis de bestialidade que é preciso retornar ao caos para poder crescer a assim alcançar um ponto mais alto de Conhecimento, relações interpessoais e compromisso com a sociedade que herdamos e entregaremos às novas gerações.
Sim, com certeza a resposta é sim. Se você me perguntar, se na possibilidade de alguém que viveu há 30 anos passados retornasse a esse mundo, não se maravilharia com o que encontrou e nos criticaria pelo texto que escrevo?
Mas eu sou do tempo presente, eu não sou do vácuo de 30 anos, eu vivi o mundo em transformação e percebi em mim e nos meus, a dificuldade que foi chegar até aqui. De igual forma percebo o “estabelecimento” e uso das armas que tenho para clamar pelo Conhecimento e não pela difusão de mensagens construídas no ambiente do Algoritmo, afinal o que diferencia o animal homem dos demais animais é a sua capacidade de livre-arbítrio.
Sonho e espero que a minha sociedade se transforme e seja como a de além-mar, que primeiro manifeste a sua educação e depois o seu humor, as suas expectativas, as suas ansiedades e as suas frustações, talvez eu possa contribuir com uma palavra, ou talvez não.
Carlos Alberto da Silva Santos Braga
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